Sexta Livre

Lançamento de Moscouzinho, livro de Gilvan Barreto
O fotógrafo Gilvan Barreto lança Moscouzinho, narrativa poética de imagens sobre reinvenção de uma Rússia tropical e nordestina, com projeção e bate-papo no Ateliê da Imagem. Publicado pela editora Tempo d’Imagem e incentivado pelo Funcultura (edital do Governo do Estado de Pernambuco), “Moscouzinho” é uma edição bilíngue (português/inglês), com 132 páginas, e com textos do jornalista e escritor Xico Sá, do compositor Fred Zeroquatro e do curador de fotografia Diógenes Moura.
Moscouzinho foi o apelido de uma cidade que, apesar de sua geografia nordestina, guardava traços russos. Mesmo assim, esse território soviético se fez presente na beira de um mar de águas ainda claras, cercado por coqueiros na praia. Ali, esse lugar se fez conhecer e compreendia territórios da Região Metropolitana do Recife, precisamente no município de Jaboatão dos Guararapes.
Moscouzinho consolidou-se como tal em 1947, ao eleger o primeiro prefeito comunista do Brasil. Emergia desse modo um socialismo tropical no mesmo momento em que o Fundo Monetário Internacional era criado (no primeiro dia de março) e a Guerra Fria oficializada (12 de março).
Em frente ao mar, Moscouzinho tentava construir sua história. Nela, cresceu o fotógrafo Gilvan Barreto. Filho de militante de esquerda, Gilvan lembra de suas tardes e noites atrás de palanques. Ouvia palavras fervorosas que o fizeram crer em Moscouzinho. Era final da década de 1970, Ditadura Militar brasileira e ele aproveitava o teste de som dos comícios para, apesar da pouca idade, denunciar injustiças. Pronunciava trechos apaixonados dos discursos que ouvia de seu pai e colegas sobre a invenção de uma sociedade que tivesse menos fome, mais igualdade social, acesso à saúde e educação.
Com a morte de seu pai, em 2010, Gilvan resolveu fazer-lhe uma homenagem. Nasceria assim um ensaio fotográfico sobre Moscouzinho dedicado ao velho Gilvan, de quem também herdou o nome.
Nesse percurso, se foi, ao encontro do pai, Thereza, a sua mãe. Ao se ver sozinho, isolado, retornar ao lugar de onde partiu foi o caminho que lhe pareceu mais possível. Mas, onde encontrar Moscouzinho? Como seria mesmo essa território tropical russo das suas lembranças de infância?
Mostrando os panfletos da época de Moscouzinho, Gilvan conta como reconstruiu seu país. Nos muros dos arredores de sua atual morada, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, colou cartazes. São colagens, novas criações sobre reproduções de cartazes do tempo que seu pai era político. Deixou a chuva e o vento se encarregarem de deixar seus traços. Foi fotografando essa ação.
Também recorreu aos antigos álbuns de família. Neles, fotos da mãe e do pai se fundem aos arquivos garimpados no Departamento de Ordem Política e Social (o DOPS, órgão de repressão aos movimentos políticos e sociais contrários ao regime militar). Teceu novas paisagens, onde aparecem trechos de terras cercados de mar – não raro um mar revolto. Foi assim que Gilvan se apossou de seu passado para então reaver o presente.
Para compor seu ensaio, escolheu ainda trabalhar entre as possibilidades de uma fotografia que deixa aparecer suas texturas e imperfeições. “Uma imagem que transparece os traços da ação humana ao invés da presença da máquina, da tecnologia”, diz.
Ao trilhar essa viagem de volta em busca de Moscouzinho, Gilvan conta que inevitavelmente se viu entre fronteiras. Ele fala de uma certa linha que existe entre um posicionamento político radical e a própria liberdade de pensamento e de expressão. Sobre o que existe entre o isolamento e o desejo de partir, entre existir e querer sumir dos lugares onde nascemos e crescemos. O exercício foi então o de escapar disso que ele explica como sendo “um isolamento.” Ou, ainda, uma linha também contida na sua própria narrativa de vida, onde fatos do passados misturam-se à interpretação deles – ou as inúmeras verdades que se apresentam entre os documentos históricos e as ficções que no emocional se constituem como verdade absoluta.